31 de mai. de 2013

Crítica: Faroeste Caboclo

Posted by Aline Guevara On 01:24 0 comentários



“Não tinha medo o tal João de Santo Cristo, era o que todos diziam quando ele se perdeu...”


A história de João de Santo Cristo é tão conhecida por nós brasileiros quanto qualquer trama clássica como os épicos poemas de Homero e as tragédias do teatro shakespeariano. Talvez até mais. A letra poderosa de Renato Russo que resultou na música de nove minutos de duração é uma dura crítica à situação vivida pela população menos favorecida no nosso país (que consiste na maior parte dela) e que tem muito poucas chances de mudar o seu destino, não raramente trágico. Mas mais do que isso, é um conto sobre a vida e o sofrimento de alguém com quem aprendemos a nos importar. É com este princípio que as palavras saíram da música e ganhou uma adaptação nos cinemas.

Faroeste Caboclo, do excelente diretor René Sampaio, tem uma tarefa difícil ao adaptar a música. Afinal é uma história que conhecemos, literalmente, de cor e salteado. Impossível não relembrar os versos do Legião Urbana enquanto assistimos Fabrício Boliveira e Isis Valverde darem vida a João e Maria Lúcia, seja para verificar se o filme está sendo fiel, seja para tentar lembrar o que ocorrerá com os personagens. Portanto a pressão é grande, mas o resultado final faz justiça à obra original e resulta em um belo filme.

Sampaio nos faz sentir o clima seco de Faroeste Caboclo desde as primeiras cenas, nas quais vemos João ainda criança com a mãe e o que o faz deixar a pequena cidade de Santo Cristo, no sertão da Bahia. O filtro da câmera mantém o visual empoeirado típico do centro do Brasil e também do western, já sentido na canção e também transposto para o filme. Como maior exemplo disso é a belíssima construção do duelo final entre João e Jeremias (Felipe Abib); um típico palco de embate entre o pistoleiro e o fora da lei, mas com toques tipicamente brasileiros.

O elenco faz um ótimo trabalho, a começar por Boliveira que cria um anti-herói que dificilmente arrancará muita simpatia pelo carisma. Como era de se esperar, é personagem seco, sofrido e de poucas palavras, que conquista pela garra e pela coragem. Isis Valverde também está confortável na pele da doce Maria Lúcia, contrapondo em quase tudo o protagonista e ainda assim tornando crível a relação entre a menina branca e rica e homem negro e pobre. Abib também faz um ótimo trabalho com seu Jeremias, assim como as boas participações de Antonio Calloni, como o policial corrupto, e César Troncoso, o primo Pablo.

Pablo e João de Santo Cristo
Talvez os mais aficcionados pela música desgostem das várias adaptações que o filme faz para criar uma história concisa. Alguns versos da música foram suprimidos, outros sofreram modificações e vários outros foram aprofundados, como a infância de João, contada a partir de flashbacks muito bem inseridos. O diretor faz excelentes transições temporais a partir de detalhes comuns entre passado e presente. O filme também não se preocupa em transcrever falas dos personagens da música, tornando a história mais real e menos orquestrada. Atitude inteligente e corajosa.

Faroeste Caboclo também não se poupa da violência presente na história de João. Apesar de não haver nenhuma cena explícita, a sugestão é o suficiente.

O playboy e traficante Jeremias (meio)
Assim como a música, o filme também é uma crítica social. Mas ele deixa no ar algumas outras questões interessantes. Será que o destino de João e Maria Lúcia, tão concretizado pelas palavras de Renato Russo, poderia ter sido outro se tivessem tomado atitudes diferentes? Ou será será mesmo que a história estava selada graças a circuntâncias externas que não podiam controlar?    





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