Uma das coisas mais bacanas que estamos assistindo nos últimos meses é o surgimento e consolidação de muitos nomes da literatura nacional ganhando espaço entre leitores que geralmente só recorrem aos livros estrangeiros. É a consolidação do mercado brasileiro em uma área ainda tratada com muito preconceito pela crítica, mas adorada por seu público, que é imenso. Estou falando da literatura fantástica. E um dos nomes que mais se destacam nesse meio é Raphael Draccon, que recentemente lançou seu quinto livro: Fios de Prata – Reconstruindo Sandman.
Draccon já é conhecido pela trilogia Dragões de Éter (que irá ganhar pelo menos mais um livro, como anunciado pelo autor) e neste novo livro ele se aventura por uma nova mitologia. Se na série anterior ele reconta a sua maneira os nossos tão conhecidos contos de fada, neste adentra em um mundo que se tornou tão popular quanto, graças à obra de um dos artistas mais reverenciados da nossa geração, Neil Gaiman. Criador da HQ Sandman, o quadrinista reinventou o mito do Senhor dos Sonhos, Morpheus. E é essa história que o escritor brasileiro, como o próprio subtítulo da sua publicação sugere, vai reconstruir.
Em Fios de Prata acompanhamos duas narrativas que seguem em paralelo até inevitavelmente se cruzarem. Primeiro acompanhamos Mikael Santiago, apelidado de Allejo, um famoso jogador de futebol que faz maravilhas dentro dos campos, encontrando Ariana. Ela é uma ginasta em ascensão que tem movimentos incríveis e já é dona do coração do atleta antes mesmo de se conhecerem. Em pouco tempo juntos estão perdidamente apaixonados um pelo outro.
Ao mesmo tempo acompanhamos uma tensão no mundo do Sonhar, dimensão onde se encontram os deuses responsáveis pelos sonhos humanos, assim como suas inspirações. Nesse mundo temos Morpheus, um dos três filhos do grande deus Hypnos, deus do sono, que trapaceou os outros para ser mais conhecido e reverenciado pelos seres humanos. A lembrança dessa situação enerva não só o irmão responsável pelos pesadelos e sentimentos obscuros, Phobetor, mas também Madelein, o Anjo dos Sonhos, que é a responsável por inspirar as pessoas a fazerem coisas grandiosas, como as obras de arte. Tanto um quanto o outro estão descontentes com suas respectivas posições e na tentativa de mudar eles vão dar início a uma guerra que afeta diretamente os sete bilhões de sonhadores terrestres que deles dependem.
O Mikael é um bom personagem. Não é um herói convencional, tem falhas: não é muito esperto, é explosivo e encontra-se perdido, seja graças aos terríveis sonhos que o assomam todas as noites, seja por sua alienação a outras coisas que não façam parte de seu mundo de luxo. Ele passa por uma jornada de redenção ao longo do livro e ela está completamente relacionada à Ariana. Pois a ginasta não é “simplesmente” o amor da vida do jogador, mas ela é o seu caminho para ser uma pessoa melhor. E é percebendo logo no começo essa aura especial que a menina emana que vamos ficando cada vez mais sentidos pelo destino que a aguarda.
Um problema inicial do livro são os cortes da história de Mikael e Ariana para acontecimentos ligados ao mundo do Sonhar. A mitologia do local e dos seres que fazem parte desse universo é bem complexa, como percebemos ao caminhar da leitura. As cenas desse universo inseridas na primeira metade do livro acabam soando um pouco confusas e por mais que despertem a curiosidade sobre o que está ocorrendo naquele universo (e desperta MUITA curiosidade), estes capítulos quebram a narrativa fluida do plano humano.
Apesar das três divisões (Sonhos Iluminados, Sonhos Trevosos e Sonhos Despertos), Fios de Prata tem duas narrativas bem claras que mudam a perspectiva do leitor e velocidade na leitura de suas páginas. A primeira metade retrata Mikael e o começo de seu relacionamento com Ariana, deixando as maquinações relacionadas ao mundo do Sonhar em segundo plano. Na segunda parte o romance dos dois já está estruturado e o livro só ganha com o crescimento de personagens como Madelein, Phantasos, Phobetor e Morpheus. A ambição e arrogância destes seres só perdem em relação aos engenhosos planos que estes elaboram para tentar derrubar o outro.
O livro é repleto de referências, bem voltado para essa geração jovem que faz tudo ao mesmo tempo, acompanha várias mídias e tem o Google nas mãos. Como bom escritor, Draccon faz algumas homenagens a alguns companheiros de profissão, como Tolkien, J. K. Rowling, Stephen King, mas também há muitos trechos de músicas, de John Lennon, a Metallica e U2. Há também citações há muitos casos de violência que abalaram o mundo. Às vezes o autor nem nos reconta a situação, mencionando apenas o nome do causador.
Com um final engenhoso, como não podia deixar de ser depois de tantas maquinações dos deuses, Fios de Prata se permite uma última reviravolta para deixar todo mundo com um sorriso no rosto. Depois de desenvolver tão bem seus personagens celestiais, Draccon me deixou com vontade de ler mais sobre Madelein, Phantasos, Phobetor, Morpheus, Hypnos e tantos outros. Quem sabe em um próximo livro.
3 comentários:
Eu com certeza vou ler Dragões de Ether e Fios de Prata agora ;)
Muito boa resenha Aline. Parece-me invevitável a leitura do livro, por se tratar de alguém ilustre no meio fantástico e por ser um livro da Leya (propositadamente ou não, a sugestão de Draccon para que a Leya publicasse George R. R. Martin no Brasil parece ter trazido muitos benefícios a imagem da Leya).
Obrigada, Albarus!
Realmente, o Raphael Draccon é um brasileiro que trilha aí o caminho da fantasia e está mandando bem. A série dele, Dragões de Éter, também é ótima. Ele cria um estilo muito próprio de contar suas histórias. E sobre a sugestão dela para a Leya publicar o Martin no Brasil, sem dúvidas melhorou a imagem da Editora! Até por isso, os diretores da Leya têm uma consideração enorme pelo Draccon, que hoje é coordenador de um dos selos da editora, a Fantasy - Casa da Palavra.
Postar um comentário