Recomeçar a própria vida, redimir de erros do passado, descobrir possibilidades onde tudo parecia perdido e sem sentido, pode parecer uma história cheia de clichês, e talvez o seja, mas conduzidos por mãos dotadas de talento e criatividade é capaz de transformá-la em uma produção inteligente. Foi o que o veterano diretor espanhol Fernando Trueba fez em “A Dançarina e o Ladrão” (El Baile de la Victoria).
A bela imagem da Cordilheira dos Andes invade a tela e dá início a trama, e logo é substituída pela cidade de Santiago do Chile, onde no rádio é dada uma notícia que alegrará muitas famílias, a de que o novo governo promulgou uma anistia para os presos do país, libertando todos que tivessem cumprido dois terços de suas penas e que não tivessem sido condenados por assassinato. Entre eles estava o lendário ladrão especializado em roubo de cofres, Nicolás Vergara Grey (Ricardo Darín).
Não demora a surgir na tela o verdadeiro protagonista, o jovem anistiado Ángel Santiago (Abel Ayala) que ao sair da prisão vive uma experiência inusitada, conhece alguém que transformará sua vida: a doce bailarina Victoria Ponce (Miranda Bodenhofer).
Quando Ángel encontra com Vergara Grey as histórias se tornam paralelas e intercaladas, onde cada indivíduo vivencia um drama particular, sendo o principal deles recomeçar a vida quando todas as portas aparentemente estão fechadas. Mas o filme vai além, entrelaça esses dramas com o desafio da nação chilena, que busca se reerguer após um longo período de ditadura com Pinochet no comando.
Inspirado na obra de um dos nomes mais conhecidos da literatura chilena, Antonio Skármeta, lançada em 2003, o roteiro foi produzido a seis mãos: por Fernando Trueba, Jonás Trueba e o próprio Skármeta, que também faz uma ponta no filme. A trama carrega uma somatória de gêneros: drama, policial, romance, comédia e aventura, porque não?!
Um filme inteligente, recheado de cenas belíssimas, como Victoria se expressando através da dança, já que perdeu a voz desde o fatídico dia em que presenciou o assassinato de seus pais, mortos pelo exército, ou Ángel cavalgando em meio às movimentadas ruas da cidade.
O grande ator argentino Ricardo Darín não desaponta, está brilhante como o esperado. Interpretando um personagem que, apesar de muito admirado por suas façanhas está em conflito com sua família, pois ao sair da prisão seu nome já não lhes causa orgulho ou admiração. Quando se depara com a inocente história de amor de Ángel e Victoria volta-se para sua própria história e conclui que o fim da linha ainda não havia chegado.
O espectador não consegue desgrudar os olhos da tela até o final do filme, grande é a dúvida e as suposições do que pode acontecer com a história ou com os planos de Ángel de assaltar um grande cofre com a ajuda de Vergara Grey, afirmando ser a última vez que cometeria tal crime.
O jovem Abel Ayala não fez menos. Com apenas 20 anos, idade que tinha na época das filmagens, em 2008, mostrou que tem grande potencial. Também argentino, já ganhou o prêmio de Ator Revelação por seu primeiro trabalho “El Polaquito” (2003). O ator também já interpretou Maradona em uma biografia do craque.
“A Dançarina e o Ladrão”, estreou em setembro de 2009 na Espanha, mas só chegou aos cinemas brasileiros em 2012. Nessa trajetória o filme foi indicado a nove prêmios Goya, o "Oscar" espanhol. Também foi escolhido o representante da Espanha no Oscar 2010, mas não conseguiu uma indicação ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro.
A incessante busca de Victoria por uma oportunidade seja profissional ou sentimental é uma analogia a situação em que vive o país, que também anseia em encontrar a vontade de viver novamente e se livrar dos fantasmas e repressões do passado. Não foi à toa que Trueba encerra a obra com a aparição de um Condor, ave que habita o alto da Cordilheira dos Andes e clássico símbolo de liberdade.
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