O filme dirigido e filmado por Lars Von Trier, Dogville, é
diferente do convencional por se tratar de uma produção realizada em um galpão
na Suécia, onde o cenário é praticamente ausente. Ele existe apenas por marcas
no chão com o nome dos poucos habitantes daquela pequena cidade, cujo nome é o
mesmo do título do filme, e também alguns objetos, poucos, apenas para
caracterizar os personagens. Na maioria das vezes alguns objetos como portas
são simplesmente simbolizados pelos atores, não existiam de verdade. Isso pôde
valorizar o seu trabalho uma vez que o telespectador não se dispersa com a ausência do cenário. Entre os principais estão Nicole Kidman e Paul Bettany.
É um trabalho em que mergulha profundamente na história
e o espectador até esquece que os ambientes são meramente ilustrativos, até por
que o assunto discutido é comportamental. Então, nesse ponto, é possível dizer
que é envolvente no sentido de não haver considerável recurso visual que possa
intensificar a concentração do espectador no enredo.
Lançado em 2003,
a história se
passa durante a Recessão Americana, na década de 1930.
A cidade é
localizada próximo as montanhas nos EUA, onde Grace (Nicole Kidman) se refugia
de gangsteres. Mas os habitantes, ao saberem de sua história e perceberem que a
polícia está atrás da moça, resistem ao acolhimento. Com a ajuda de Tom (Paul
Battany), Grace acaba permanecendo no local em troca de oferecer seus serviços
aos habitantes, que acabam cedendo aos encantos da prestativa moça e permitem
que ela fique.
O desenrolar
da história acontece com a polícia pressionando a população que, ameaçada, se
sente no direito de pedir que Grace trabalhe mais, pois afinal todos correm
riscos por ela estar ali. Nesse momento há uma transição de personalidade dos
habitantes, que antes amáveis e quase não queriam receber seus serviços, até
por não precisarem deles, agora passam a explorá-la, percebem que ela depende
da bondade da população para deixá-la ficar.
Muito
pertinente, o drama mostra fragilidades do comportamento humano, onde o poder
altera decisões e evidencia a crueldade que muitos tem no coração, mas que só
se revela em momentos de vulnerabilidade, quando o ser humano se sente
ameaçado.
A
passividade de Grace em aceitar o comportamento desumano talvez seja um
dos motivos que permitem que isso continue acontecendo com ela e que a
cada momento se intensifica, chegando ela a ser estuprada por vários homens da
cidade, até mesmo por aqueles a quem ela presta serviços.
No momento em que ela consegue
comprar as desejadas porcelanas que antes mofavam em uma loja, fica claro a
delicadeza que a diferencia da população da cidade, talvez até a situação
econômica da qual pertenceu. Quando finalmente completa a coleção, o ato cruel
de uma moradora que se sente enganada (ela diz que vai quebrar a primeira e,
caso Grace chore, quebrará todas as outras, uma por uma), mostra que alguns
comportamentos humano indicam que, em algumas ocasiões, objetos podem ter mais
valor que o próprio ser humano.
O trabalho de iluminação é altamente
valorizado no filme, uma vez que os personagens tocam várias vezes no assunto
sobre vistas e sombras, além de ser o anunciador da transição dos dias.
O longa de quase três horas
apresenta traços do teatro de Bertolt Brecht, que costumava sinalizar a existência
de uma ficção e não da realidade. Essa analogia pode ser feita pela a
inexistência do cenário em Dogville, que acentua a visibilidade da ficção.
Trier, um dos criadores do movimento Dogma 95 (criado com o intuito de resgatar
o cinema inicial e não comercial, onde existe a restrição de técnicas como
truques de fotografias e não é permitido produzir o som separado das imagens)
faz uso deste em partes: na ausência da trilha sonora, no uso da câmera na mão,
no entanto, foge a regra quando o autor utiliza iluminação artificial. A
despreocupação com enquadramentos também torna nítido a relação com o
movimento.
Dogville
é um filme com influência de escolas de filosofia. No filme, em algumas
situações são citados os ensinamentos estoicistas, que consiste em despir-se de
emoções. Existe a presença do “quid pro quo”, termo mais utilizado em textos
jornalísticos em inglês, que significa “uma coisa por outra”. No filme isso se
torna claro quando Grace, com todo seu altruísmo, presta seus serviços a
população em troca de permanecer em
Dogville. Aliás, talvez o “quid pro quo” seja um dos
sentimentos mais evidentes do filme, que trabalha o tempo todo com a questão de
ter que obter benefícios por estar fazendo outro.
No final do filme, cenas que mostram
influências gregas, como as tragédias aparecem no sentimento catártico. E por
mais uma vez – perceptíveis na reação de telespectador –, sentimentos perversos
próprios dos seres humanos e comuns a todos, diferenciando somente na
intensidade, são realçados nas cenas finais, onde vingar-se, para alguns vai
mostrar a sensação de “também sou capaz de barbaridades”. O que seria a forma
mais correta de se enxergar, mas o que é mais assombroso, para outros
significará apenas proteção contra as brutalidades, defesa e alívio.
Por fim, o nome do filme também
transmite uma mensagem, uma espécie de comparação dos habitantes com os cães,
pelo comportamento insensato, em que apenas querem ser saciados. O cão é o
único que contraria sua natureza e permanece na corrente o tempo todo.
Durante os créditos finais,
fotografias da época da depressão estadunidense são exibidas ao som da música
Young Americans, de David Bowie, o que levam a pensar a existência de
sentimentos contraditórios do diretor em relação aos americanos.
1 comentários:
Pessoal, tudo bem? Há tempos assisti esse filme e até hoje me impressiono com ele!
Postar um comentário