7 de fev. de 2012

Das prateleiras: Dogville

Posted by Fátima Leite On 21:05 1 comentários

O filme dirigido e filmado por Lars Von Trier, Dogville, é diferente do convencional por se tratar de uma produção realizada em um galpão na Suécia, onde o cenário é praticamente ausente. Ele existe apenas por marcas no chão com o nome dos poucos habitantes daquela pequena cidade, cujo nome é o mesmo do título do filme, e também alguns objetos, poucos, apenas para caracterizar os personagens. Na maioria das vezes alguns objetos como portas são simplesmente simbolizados pelos atores, não existiam de verdade. Isso pôde valorizar o seu trabalho uma vez que o telespectador não se dispersa com a ausência do cenário. Entre os principais estão Nicole Kidman e Paul Bettany.

É um trabalho em que mergulha profundamente na história e o espectador até esquece que os ambientes são meramente ilustrativos, até por que o assunto discutido é comportamental. Então, nesse ponto, é possível dizer que é envolvente no sentido de não haver considerável recurso visual que possa intensificar a concentração do espectador no enredo.


Lançado em 2003, a história se passa durante a Recessão Americana, na década de 1930. A cidade é localizada próximo as montanhas nos EUA, onde Grace (Nicole Kidman) se refugia de gangsteres. Mas os habitantes, ao saberem de sua história e perceberem que a polícia está atrás da moça, resistem ao acolhimento. Com a ajuda de Tom (Paul Battany), Grace acaba permanecendo no local em troca de oferecer seus serviços aos habitantes, que acabam cedendo aos encantos da prestativa moça e permitem que ela fique.

O desenrolar da história acontece com a polícia pressionando a população que, ameaçada, se sente no direito de pedir que Grace trabalhe mais, pois afinal todos correm riscos por ela estar ali. Nesse momento há uma transição de personalidade dos habitantes, que antes amáveis e quase não queriam receber seus serviços, até por não precisarem deles, agora passam a explorá-la, percebem que ela depende da bondade da população para deixá-la ficar.


Muito pertinente, o drama mostra fragilidades do comportamento humano, onde o poder altera decisões e evidencia a crueldade que muitos tem no coração, mas que só se revela em momentos de vulnerabilidade, quando o ser humano se sente ameaçado.

A passividade de Grace em aceitar o comportamento desumano talvez seja um dos motivos que permitem  que isso continue acontecendo com ela e que a cada momento se intensifica, chegando ela a ser estuprada por vários homens da cidade, até mesmo por aqueles a quem ela presta serviços.

No momento em que ela consegue comprar as desejadas porcelanas que antes mofavam em uma loja, fica claro a delicadeza que a diferencia da população da cidade, talvez até a situação econômica da qual pertenceu. Quando finalmente completa a coleção, o ato cruel de uma moradora que se sente enganada (ela diz que vai quebrar a primeira e, caso Grace chore, quebrará todas as outras, uma por uma), mostra que alguns comportamentos humano indicam que, em algumas ocasiões, objetos podem ter mais valor que o próprio ser humano.

O trabalho de iluminação é altamente valorizado no filme, uma vez que os personagens tocam várias vezes no assunto sobre vistas e sombras, além de ser o anunciador da transição dos dias.


O longa de quase três horas apresenta traços do teatro de Bertolt Brecht, que costumava sinalizar a existência de uma ficção e não da realidade. Essa analogia pode ser feita pela a inexistência do cenário em Dogville, que acentua a visibilidade da ficção. Trier, um dos criadores do movimento Dogma 95 (criado com o intuito de resgatar o cinema inicial e não comercial, onde existe a restrição de técnicas como truques de fotografias e não é permitido produzir o som separado das imagens) faz uso deste em partes: na ausência da trilha sonora, no uso da câmera na mão, no entanto, foge a regra quando o autor utiliza iluminação artificial. A despreocupação com enquadramentos também torna nítido a relação com o movimento.

Dogville é um filme com influência de escolas de filosofia. No filme, em algumas situações são citados os ensinamentos estoicistas, que consiste em despir-se de emoções. Existe a presença do “quid pro quo”, termo mais utilizado em textos jornalísticos em inglês, que significa “uma coisa por outra”. No filme isso se torna claro quando Grace, com todo seu altruísmo, presta seus serviços a população em troca de permanecer em Dogville. Aliás, talvez o “quid pro quo” seja um dos sentimentos mais evidentes do filme, que trabalha o tempo todo com a questão de ter que obter benefícios por estar fazendo outro.


No final do filme, cenas que mostram influências gregas, como as tragédias aparecem no sentimento catártico. E por mais uma vez – perceptíveis na reação de telespectador –, sentimentos perversos próprios dos seres humanos e comuns a todos, diferenciando somente na intensidade, são realçados nas cenas finais, onde vingar-se, para alguns vai mostrar a sensação de “também sou capaz de barbaridades”. O que seria a forma mais correta de se enxergar, mas o que é mais assombroso, para outros significará apenas proteção contra as brutalidades, defesa e alívio.

Por fim, o nome do filme também transmite uma mensagem, uma espécie de comparação dos habitantes com os cães, pelo comportamento insensato, em que apenas querem ser saciados. O cão é o único que contraria sua natureza e permanece na corrente o tempo todo.

Durante os créditos finais, fotografias da época da depressão estadunidense são exibidas ao som da música Young Americans, de David Bowie, o que levam a pensar a existência de sentimentos contraditórios do diretor em relação aos americanos.

1 comentários:

Pessoal, tudo bem? Há tempos assisti esse filme e até hoje me impressiono com ele!

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