21 de dez. de 2011

Das prateleiras: O antológico escatológico

Posted by Aline Guevara On 22:49 0 comentários


Por Guilherme Barreto.

Apenas saber que na estreia de Pink Flamingos, em 1972, foram distribuídos saquinhos de vômito para os espectadores a fim de conter a sujeira oriunda do efeito que a fita traria já é sinal suficiente para preparar os olhos – e o estômago, para 93 minutos de sensações, no mínimo, exóticas. Considerado por um (restrito) grupo de adoradores do “explotation” e do cinema trash a obra-prima do controverso John Waters, Pink Flamingos é, se refletido nas entrelinhas, uma severa crítica à sociedade do espetáculo e à busca desenfreada pela notoriedade a qualquer preço. Em contraponto, os mais conservadores dizem se tratar de uma grande e sofrível sequência de bestialidades, mero fruto da imaginação tosca de um diretor ineficiente que buscou em uma época propícia ao bizarro o que ele mesmo reprime em seu roteiro: a notoriedade associada a uma produção cultural vazia e ilógica.

Com o passar do tempo e a mudança de eixo da estética cinematográfica, o que era feio e mal visto aos olhos do “American Way of Life” tornou-se referência Cult quando o assunto é contra-cultura. É inegável o exagero de alguns recursos narrativos utilizados por Waters em seu roteiro, mas a mensagem central é passada, mesmo que em doses homeopáticas ao longo da história. O principal conflito do enredo está na rixa entre duas famílias. Uma delas é a de Divine, uma Drag Queen que divide um trailer no meio do mato com a mãe morbidamente obesa e viciada em ovos enclausurada dia e noite em um berço, o “filho” pervertido sexual que adora realizar seus desejos carnais de maneiras absurdas (como transando com galinhas) e a “filha” voyeurista, que só tem um prazer na vida: assistir o irmão estuprando outras garotas.

Do outro lado estão Raymond e Connie Marble, um casal podólatra de cabelos azul e laranja, respectivamente, que ganham a vida de uma maneira inusual: sequestram garotas, fazem-nas engravidar de Channing, o mordomo da família, e as mantêm presas em um calabouço até morrerem no parto. Os bebês órfãos são então vendidos a casais de lésbicas, e o ciclo se inicia com o sequestro de novas garotas. A insanidade do casal, no entanto, não é espontânea como na família de Divine. A inspiração vem do fato de a Drag Queen ser conhecida nacionalmente como a pessoa mais podre do mundo, título requerido há muito tempo pelo casal.

A batalha de Connie e Raymond para arrancarem o posto das mãos de Divine, porém, é dura. Neste processo, o espectador é chamado a acompanhar algumas das cenas mais esquisitas da história do cinema, como o método para “temperar” a carne comprada por Divine, as investidas sexuais do tarado Raymond nas meninas do parque, o zoom invasivo no ânus de um dos convidados para o aniversário de Divine, o inesperado ataque aos policiais na mesma festa, enfim, uma série de demonstrações dos personagens a fim de provarem que um é mais tosco que o outro. É uma espécie de louvor à fama, só que ao contrário (e talvez essa seja a mensagem do diretor que passou despercebida pelos olhos dos espectadores mais pudicos e impediu Pink Flamingos de alçar o espaço que merecia).

A proposta do filme é interessante e faz com que as precariedades sejam abstraídas, como a qualidade inferior da imagem, as locações nitidamente improvisadas e as interpretações medíocres de um elenco amador. Todas essas características são fruto de um orçamento de apenas 5 mil dólares e uma provável despreocupação estética do próprio diretor (o que é apenas uma suposição, se comprovada a teoria de que o que mais interessava ao cineasta era a mensagem por detrás do conteúdo, e não a forma).

Portanto, amiguinho, caso seja do seu interesse assistir Pink Flamingos, prepare-se para nus frontais, canibalismo, zoofilia, cuprofagia, podolatria, incesto, mutilações e outras atrocidades do ser humano. A cena final, a mais antológica do filme, encerra de maneira magistral, ou melhor, divina, o espetáculo escatológico de Divine. Descrevê-la nem poderia ser considerado um spoiler, mas prefiro deixar você saborear o desfecho da história. Literalmente.

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