Os filmes inspirados em gênios da pintura pertencem a um gênero bastante sedimentado em Hollywood. Não são poucos os exemplos que receberam acolhida calorosa de crítica e público.
Sede de Viver (1956) leva às telas as pinceladas ondulosas de Van Gogh. Pelo modo como interpretou o passional pintor holandês, Kirk Douglas recebeu o Globo de Ouro de melhor ator.
Pollock (2000), ao tratar da conturbada vida do pintor abstracionista americano, foi indicado ao Oscar de melhor ator (Ed Harris) e agraciado com a estatueta de melhor atriz coadjuvante (Márcia Gay Harden).
Frida (2002) retrata a trajetória - e a personalidade impetuosa - da artista mais célebre do México. O longa ganhou dois Oscars pelas impecáveis trilha sonora e maquiagem, além de ser indicado nas categorias de melhor direção de arte, melhor figurino e melhor canção original.
Moça com brinco de pérola (2003) mantém a tradição de sucesso das tintas artísticas na indústria cultural. Teve a chancela da academia de artes e ciências dos Estados Unidos em três quesitos: nomeado para melhor fotografia, melhor figurino e melhor direção de arte.
Scarlett Johansson no famoso retrato clique na imagem para ampliar |
Sendo na realidade uma produção anglo-belga e contando com a participação de astros de Holywood, o filme é antes a biografia fictícia de uma obra que a de seu autor, o holandês Johannes Vermeer (1632-1675), responsável pelo quadro considerado a Monalisa da Holanda e que dá título ao longa.
Baseado no romance homônimo da americana Tracy Chevalier, publicado em 1999, Moça com brinco de pérola busca a situação de origem da consagrada tela. O enredo possui linhas de Cinderela, embora os contornos finais sejam menos alegres.
Griet e seu namorado açougueiro clique na imagem para ampliar |
Griet (Scarlett Johansson) é uma adolescente pobre e inculta - um pleonasmo no século XVII - mas de beleza angélica e entorpecente. Para reduzir a miséria de sua família e a sua própria, oferece seus préstimos de serviçal na principesca casa de Vermeer (Colin Firth), cujos recursos provêm das encomendas recebidas da alta burguesia holandesa.
A ingênua moça recebe como adiantamento a inveja e a perseguição da patroa - uma bruxa que a incrimina com acusações de roubo e indecência. Para desgraça da megera, a sensualidade virgem de Griet colore em tons quentes o coração do marido.
Um cliente do pintor também a deseja, embora com ímpetos mais vulgares,e encomenda um retrato da moça - a beleza feminina, transformada em mercadoria, também pode ser comprada como objeto decorativo.
Pieter Van Ruijven - o dono do retrato de Griet clique na imagem para ampliar |
Em meio às investidas do troglodita, e no decorrer da pintura, Vermeer e Griet experimentam um amor platônico e delicado, em que o contato mais tímido deixa oleosos lábios e mãos. Ao se perceber menosprezada pelo marido e não suportando a desvantagem em beleza com Griet, a esposa sai em ataques de ódio, rasgando a teia amorosa que envolvera a casa.
Johansson e Firth dão a seus papeis matizes sutis. Um dos maiores trunfos do filme é investir na comunicação não verbal entre os dois. Como Griet tem repertório linguístico escasso, é no olhar e na discrição que os dois se descobrem e conversam em silêncio.
A comunicação não verbal entre o pintor a bela moça clique na imagem para ampliar |
Também vale destacar a interpretação do trio Essie Davis (Catharina Bolnes Vermeer, esposa do pintor), Judy Parfith (Maria Thins, mãe de Catharina) e Tom Wilkinson (Pieter Van Ruijven, cliente de Vermeer e perseguidor de Griet). Encarando os arquétipos da burguesia preocupada em preservar o status social e exploradora dos menos favorecidos, soam convincentes e encenam bons momentos.
Griet na casa dos Vermeer clique na imagem para ampliar |
Moça com brinco de pérola não é tão bom quanto os filmes citados anteriormente. Sendo menos complexos, os personagens não têm a mesma força vista em Pollock ou Frida. O enredo revela fragilidades no final, com um desenlace que não deixa claras as implicações dos acontecimentos nas vidas dos envolvidos.
As indicações para o Oscar, no entanto, são justas. A reconstituição de época é precisa e rica, o mérito do figurino aqui é evidente. O apuro da fotografia revela uma sociedade contrastante em desigualdades sociais e a direção de arte tingiu grande parte das cenas com as cores do famoso retrato.
Ainda que não seja um supra-sumo da arte cinematográfica nem um retrato documental da vida e obra de Johannes Vermeer, o esmero plástico do filme é capaz de despertar o interesse do grande público pelo trabaho do pintor holandês.
Contribuição pedagógica
Pieter Van Ruijven assediando Griet clique na imagem para ampliar |
Ainda que não seja um supra-sumo da arte cinematográfica nem um retrato documental da vida e obra de Johannes Vermeer, o esmero plástico do filme é capaz de despertar o interesse do grande público pelo trabaho do pintor holandês.
Contribuição pedagógica
Há ainda uma contribuição de ordem pedagógica (sem didatismo) no terreno da história da arte. Vermeer é mostrado em seu ofício de pintar manuseando os instrumentos de trabalho como um artesão, tal como o fazem o marceneiro e o carpinteiro.
Vermeer e Griet no ateliê de pintura clique na imagem para ampliar |
Lá pelas tantas, na tentiva de abrandar o desgosto da esposa pelo retrato de Griet, o pintor diz: "É só um trabalho, irá embora em poucos dias e você não precisará olhá-lo". A mãe, igualmente para reconfortar a filha, sentencia: "É apenas um quadro. Pintura por dinheiro, não significa nada!"
Mas para Catharina Bolnes Vermeer aquilo significava mais que dinheiro. É a própria humilhação contemplar a tela se apropriar de uma beleza que não a sua e dignificar com o estatuto de arte as feições de uma jovem analfabeta.
O DVD de Moça com brinco de pérola está sendo vendido a R$ 19,90 com exclusividade pela Livraria Cultura.
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