19 de jun. de 2012

Das prateleiras: Moça com brinco de pérola

Posted by Renan Martins On 23:16 0 comentários

Os filmes inspirados em gênios da pintura pertencem a um gênero bastante sedimentado em Hollywood. Não são poucos os exemplos que receberam acolhida calorosa de crítica e público.

Sede de Viver (1956) leva às telas as pinceladas ondulosas de Van Gogh. Pelo modo como interpretou o passional pintor holandês, Kirk Douglas recebeu o Globo de Ouro de melhor ator.

Pollock (2000), ao tratar da conturbada vida do pintor abstracionista americano, foi indicado ao Oscar de melhor ator (Ed Harris) e agraciado com a estatueta de melhor atriz coadjuvante (Márcia Gay Harden).

Frida (2002) retrata a trajetória - e a personalidade impetuosa - da artista mais célebre do México. O longa ganhou dois Oscars pelas impecáveis trilha sonora e maquiagem, além de ser indicado nas categorias de melhor direção de arte, melhor figurino e melhor canção original.


Moça com brinco de pérola (2003) mantém a tradição de sucesso das tintas artísticas na indústria cultural. Teve a chancela da academia de artes e ciências dos Estados Unidos em três quesitos: nomeado para melhor fotografia, melhor figurino e melhor direção de arte.




Scarlett Johansson no famoso retrato
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Sendo na realidade uma produção anglo-belga e contando com a participação de astros de Holywood, o filme é antes a biografia fictícia de uma obra que a de seu autor, o holandês Johannes Vermeer (1632-1675), responsável pelo quadro considerado a Monalisa da Holanda e que dá título ao longa.

Baseado no romance homônimo da americana Tracy Chevalier, publicado em 1999, Moça com brinco de pérola busca a situação de origem da consagrada tela. O enredo possui linhas de Cinderela, embora os contornos finais sejam menos alegres.



Griet e seu namorado açougueiro
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Griet (Scarlett Johansson) é uma adolescente pobre e inculta - um pleonasmo no século XVII - mas de beleza angélica e entorpecente. Para reduzir a miséria de sua família e a sua própria, oferece seus préstimos de serviçal na  principesca casa de Vermeer (Colin Firth), cujos recursos provêm das encomendas recebidas da alta burguesia holandesa.


A ingênua moça recebe como adiantamento a inveja e a perseguição da patroa - uma bruxa que a incrimina com acusações de roubo e indecência. Para desgraça da megera, a sensualidade virgem de Griet colore em tons quentes o coração do marido.

Um cliente do pintor também a deseja, embora com ímpetos mais vulgares,e  encomenda um retrato da moça - a beleza feminina, transformada em mercadoria, também pode ser comprada como objeto decorativo.




Pieter Van Ruijven - o dono do retrato de Griet
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Em meio às investidas do troglodita, e no decorrer da pintura, Vermeer e Griet experimentam um amor platônico e delicado, em que o contato mais tímido deixa oleosos lábios e mãos. Ao se perceber menosprezada pelo marido e não suportando a desvantagem em beleza com Griet, a esposa sai em ataques de ódio, rasgando a teia amorosa que envolvera a casa.

Johansson e Firth dão a seus papeis matizes sutis. Um dos maiores trunfos do filme é investir na comunicação não verbal entre os dois. Como Griet tem repertório linguístico escasso, é no olhar e na discrição que os dois se descobrem e conversam em silêncio.




A comunicação não verbal entre o pintor a bela moça
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Também vale destacar a interpretação do trio Essie Davis (Catharina Bolnes Vermeeresposa do pintor), Judy Parfith (Maria Thins, mãe de Catharina) e Tom Wilkinson (Pieter Van Ruijven, cliente de Vermeer e perseguidor de Griet). Encarando os arquétipos da burguesia preocupada em preservar o status social e exploradora dos menos favorecidos, soam convincentes e encenam bons momentos.



Griet na casa dos Vermeer
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Moça com brinco de pérola não é tão bom quanto os filmes citados anteriormente. Sendo menos complexos, os personagens não têm a mesma força vista em Pollock ou Frida. O enredo revela fragilidades no final, com um desenlace que não deixa claras as implicações dos acontecimentos nas vidas dos envolvidos.

As indicações para o Oscar, no entanto, são justas. A reconstituição de época é precisa e rica, o mérito do figurino aqui é evidente. O apuro da fotografia revela uma sociedade contrastante em desigualdades sociais e a direção de arte tingiu grande parte das cenas com as cores do famoso retrato.




Pieter Van Ruijven assediando Griet
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Ainda que não seja um supra-sumo da arte cinematográfica nem um retrato documental da vida e obra de Johannes Vermeer, o esmero plástico do filme é capaz de despertar o interesse do grande público pelo trabaho do pintor holandês.


Contribuição pedagógica

Há ainda uma contribuição de ordem pedagógica (sem didatismo) no terreno da história da arte. Vermeer é mostrado em seu ofício de pintar manuseando os instrumentos de trabalho como um artesão, tal como o fazem o marceneiro e o carpinteiro.



Vermeer e Griet no ateliê de pintura
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Em verdade, a visão do pintor como artista sublime e espécie elevada da raça humana é construção dos românticos do século XIX (herança que ainda carregamos). 


Lá pelas tantas, na tentiva de abrandar o desgosto da esposa pelo retrato de Griet, o pintor diz: "É só um trabalho, irá embora em poucos dias e você não precisará olhá-lo". A mãe, igualmente para reconfortar a filha, sentencia: "É apenas um quadro. Pintura por dinheiro, não significa nada!"

Mas para Catharina Bolnes Vermeer aquilo significava mais que dinheiro. É a própria humilhação contemplar a tela se apropriar de uma beleza que não a sua e dignificar com o estatuto de arte as feições de uma jovem analfabeta.



Catharina, esposa de Vermeer
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O DVD de Moça com brinco de pérola está sendo vendido a R$ 19,90 com exclusividade pela Livraria Cultura.

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