11 de jan. de 2012

Das Prateleiras - Estômago

Posted by Gui Barreto On 00:28 0 comentários


Sempre fui com a cara de filmes que, em seus enredos, exploram a gastronomia e seus efeitos subjacentes nas relações dos personagens envolvidos, como "Julie e Julia", de 2008, "Tomates Verdes e Fritos", de 1991, "Chocolate", de 2000 e "Ratatouille", de 2007. É super vantajoso retratar histórias de vidas que se comunicam através de uma referência sensorial, como o paladar, ou o cheiro, como é o caso de "Perfume - História de um Assassino", de 2006. Produções que usam deste artifício se mostram mais saborosas, literalmente!

Descobri um filme nacional que representa muito bem este nicho. Produzido em 2008, "Estômago" traz a tona a temática do poder que a comida pode oferecer a quem domina a arte de cozinhar. Diferentemente dos exemplos supracitados, Estômago mais enoja do que delicia, em se tratando de requinte do paladar. A comida não permeia uma história de amor, nem um drama familiar, nem os anseios de personagens depressivos, mas apresenta a ascensão e queda de um imigrante nordestino na cidade grande, através de sua maior qualidade: a arte da cozinha (que ele próprio desconhece).

O ator João Miguel é Raimundo Nonato, um típico nordestino acuado com as modernidades da cidade grande, que encontra no boteco do seu Zulmiro um cantinho para dormir e comida, em troca de favores gastronômicos. Para a surpresa de Zulmiro, Nonato se mostra um exímio cozinheiro, com destaque para as coxinhas, que alavancam o arrecadação do bar.

A partir do sucesso de seus quitutes, Nonato chama a atenção de Giovanni (Carlo Briani), dono de um restaurante italiano das redondezas, que o convida para trabalhar em sua cozinha, e de Íria (Fabiula Nascimento), uma prostituta que não consegue mais viver sem as delícias do retirante. A ascensão social (em termos de prestígio, e não de dinheiro) de Nonato se dá através de seus dotes culinários e as influências que este poder proporciona.

Ao mesmo tempo em que a vida do protagonista se desenrola com Íria, Zulmiro e Giovanni, vemos o detento Alecrim (apelido pelo qual Nonato é conhecido na prisão) espalhando suas ideias gastronômicas a fim de melhorar a insossa comida da cadeia. É novamente através da comida que ele consegue ascender na hierarquia da cela, passando do chão para o terceiro andar do beliche (ótima ideia do roteiro para simbolizar o aumento de poder e influência).

Sem saber por qual razão Nonato está preso, a atenção que o diretor consegue prender do espectador é total, já que fica-se na expectativa de saber o que o levou à prisão, uma vez que a imagem que se faz dele desde o início é a do bom moço, que, humildemente, aprende o ofício da cozinha com seus mestres suburbanos.

A intercalação de realidades (prisão x liberdade) é o principal atributo que faz com que o filme seja excelente em termos técnicos, interpretativos e de enredo. Os ganchos pelos quais as duas realidades são intercaladas são sacadas muito bem estruturadas do roteiro, não havendo falta de continuidade nem falta de sincronia na diferença dos tempos.

A verossimilhança das realidades retratadas é valorizada, o que faz com que tudo se encaixe de uma maneira natural, espontânea e verdadeira. Não há necessidade de se explicar o passado do protagonista, porque ele é pobre, de onde ele veio...a história se completa na busca por uma identidade através do poder instaurado pela comida.

Como disse no começo do texto, este longa não tem a capacidade de deliciar os espectadores com as comidas. Pelo contrário, não é tão palatável quanto outras experiências cinematográficas do mesmo naipe, pois apresenta a precária comida carcerária e a realidade dos botecos da periferia. O filme delicia com as interpretações complexas e excelentes, com o roteiro criativo e com os diálogos impressionantes.

Em críticas, comentários de outros cinéfilos e informações da internet, sempre li que "O Cheiro do Ralo", filme produzido em 2007, era o filme mais comparado a Estômago, por ser lançado na mesma época e também apresentar a história baseada numa sensação, desta vez o cheiro, mas que era muito melhor. Tendo assistido os dois, Estômago é superior em todos os sentidos e imperdível para os cinéfilos e entusiastas do cinema nacional.

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