Que a escritora Marion Zimmer Bradley gosta de recontar histórias clássicas a partir do ponto de vista feminino, nós já sabíamos graças a sua famosa série As Brumas de Avalon. Mas o que muita gente não sabe é que além das histórias envolvendo Morgana, Arthur e seus cavaleiros, Marion também se aventurou por narrativas mais antigas e recriando os eventos da longa batalha entre gregos e troianos ela escreveu O Incêndio de Troia.
Assim como acompanhamos Morgana como protagonista em As Brumas de Avalon, acompanhamos Kassandra, a bela e atormentada princesa de Troia, nesta obra. Atormentada porque desde a infância a garota é tomada por visões do futuro, sendo a mais recorrente e poderosa delas aquela em que vê sua amada cidade ardendo em chamas.
No livro, Kassandra é irmã gêmea de Páris, que graças a uma profecia de que gêmeos trariam má sorte, é enviado pelo rei Príamo para ser criado por um casal de pastores. Mas quando chega a idade adulta ele retorna ao lar original, retomando o seu lugar por direito como Príncipe. E é quando a profecia de Kassandra se torna mais clara: será o irmão o responsável pela queda de Troia.
A princesa de Troia também é sacerdotisa de Apolo e se prepara para dedicar a vida ao sacerdócio, mas ao mesmo tempo encara dúvidas, pois ela foi criada para seguir os costumes dessa sociedade patriarcal no qual os líderes são do sexo masculino, mas também foi ensinada pelas guerreiras amazonas, que cultuam os antigos costumes de uma sociedade matriarcal e nos quais a mulher é o símbolo de poder.
Marion não busca ser fiel à Ilíada de Homero, como não havia sido em Brumas que recontou a história do rei Arthur, portanto os fãs do texto original podem se incomodar com as mudanças, que podem soar como erros da escritora. Mas não se engane, O Incêndio de Troia é uma versão livre da história, mas nem por isso menos sensível, dramática ou até divertida do que o épico de Homero.
Mais uma vez a escritora discute o papel da mulher na sociedade machista em que se passa a história e, como sempre, cria personagens femininas fortes e complexas. Kassandra é a força que rege o livro, portanto a mais bem explorada. Seu poder parece estar mais próximo de uma maldição do que de um dom, mas a princesa carrega o peso de sua sina com coragem e sem nunca abaixar a cabeça, herança de seu aprendizado ao lado das amazonas e da religião da Mãe Terra. Mas as outras personagens também representam outras facetas do poder feminino: Helena é descrita como uma mulher afetuosa, preocupada com o amado, Páris, e seus filhos; Hécuba, mãe de Kassandra, é o retrato de mãe e governante forte, que teve que abdicar das próprias crenças para assumir o seu lugar como rainha; e Pentesileia, a rainha das amazonas, traz em si o espírito idealista de uma guerreira que nunca deixa de lutar pelo que e por quem acredita.
Mais uma vez Marion Zimmer Bradley consegue contar uma história envolvente e criar personagens apaixonantes, portanto O Incêndio de Troia não deveria passar batido pelos amantes do gênero de fantasia.
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