Se não fossem as indicações ao Oscar, provavelmente Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild) passaria despercebido pelos cinemas brasileiros. Mas, felizmente, graças ao reconhecimento da Academia de Cinema à esse filme norte-americano com produção independente, a exibição não ficou restrita às salas independentes, mas chegou também no circuito comercial.
O filme se passa em uma ilha fictícia no estado da Lousiana nos EUA cercada por um rio e chamada pelos moradores de "Banheira". Lá conhecemos Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), uma garotinha esperta que nos narra a história sob o seu ponto de vista infantil e curioso. Ela vive com o pai, Wink (Dwight Henry), um homem duro, mas que ama a filha e se preocupa o seu futuro. Isso porque ele está doente e sabe que em breve a menina, que foi abandonada pela mãe, ficará orfã. Depois de uma tempestade violenta que destrói muitas das construções da ilha e afugenta a maior parte de seus moradores, os sobreviventes que decidem permanecer ali, como Hushpuppy e seu pai, precisam enfrentar as consequências da tragédia. Apesar de fazer referência às inundações provocadas pelo furacão Katrina em 2005, o filme narra uma história global de sobrevivência e apego à terra natal que realmente poderia se passar em qualquer lugar do mundo.
Hushpuppy nunca é caracterizada como um adulto em miniatura, como ocorre com muitos filmes que tem crianças como protagonistas. Ela tem alegrias, medos, preocupações e atitudes típicas da infância, ainda que endurecida pelas condições de extrema pobreza em que vive.
É difícil imaginar uma escolha mais acertada para a protagonista do filme que Quvenzhané Wallis. A menina faz um trabalho impressionante e mesmo ao lado do competente Dwight Henry, ela rouba todas as cenas e, ainda que não tenha ganho o prêmio de melhor atriz no último domingo (24/02), certamente mereceu a indicação ao Oscar.
Com uma bela trilha sonora embalando as correrias de Hushpuppy pela Banheira, Indomável Sonhadora também tem um bom trabalho de fotografia, que apesar de retratar a pobreza da comunidade da menina com suas casas de madeira nada resistentes às tempestades que assolam o lugar, também mostra de onde vem a força dos habitantes locais: de sua vegetação exuberante e principalmente do rio que os cerca, que oferta meio de transporte, alimento e vida a todas as criaturas que ali habitam.
O filme assume um tom fabulesco a partir do momento em que as imensas (e terríveis) criaturas pré-históricas voltam a vida para vagar atrás de Hushpuppy, o que proporciona uma quebra bem-vinda na realidade miserável que os personagens estão vivendo. E ao mesmo tempo, a presença constante das bestas, sempre em perseguição, acompanha a urgência do amadurecimento de Hushpuppy.
O título em português, que não é a tradução literal do original, não prejudica em nada o filme e foi uma escolha bem realizada, afinal reflete bem a personalidade de Hushpuppy. No entanto, o significado original, algo como "bestas do sul selvagem", reflete mais profundamente a alma da personagem e sua coragem furiosa para sobreviver e cuidar do pai. O diretor Benh Zeitlin captura bem esse espírito da menina com tomadas abertas onde fica evidente que ela não é um elemento estranho à natureza, mas parte dela.
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