"(...) me ocorre que a peculiaridade da maioria das coisas que consideramos frágeis é o modo como elas são, na verdade, fortes. (...) Corações podem ser partidos, mas o coração é o mais forte dos músculos, capaz de pulsar durante toda a vida, setenta vezes por minuto, não falhando quase nunca. Até os sonhos, que são as coisas mais intangíveis e delicadas, podem se mostrar incrivelmente difíceis de matar. Histórias, assim como pessoas, borboletas, ovos de aves canoras, corações humanos e sonhos, também são coisas frágeis (...). Mas algumas histórias, pequenas, simples, sobre gente embarcando em aventuras ou realizando maravilhas, contos de milagres e de monstros, perduram mais do que as pessoas que as contaram, e algumas perduram mais do que as próprias terras onde elas foram criadas."
É com uma introdução particularmente deliciosa de ler que Neil Gaiman nos apresenta o conjunto de contos que reuniu para criar o livro Coisas Frágeis. A maior parte das histórias do título já foram publicadas em outras ocasiões (algumas já premiadas), mas o escritor decidiu uni-las.
Gaiman é muito conhecido por seu trabalho com quadrinhos, especialmente por Sandman, mas o escritor não deve em nada com o seu trabalho na literatura, como prova mais uma vez com este livro.
O conto que abre Coisas Frágeis se chama Um Estudo em Esmeralda. Se o título parece vagamente familiar é porque ele faz analogia com o livro do conterrâneo inglês de Gaiman, Sir Arthur Conan Doyle, Um Estudo em Vermelho - primeiro livro de Sherlock Holmes. O autor o escreveu a pedido de um amigo, que queria uma história que juntasse Sherlock Holmes com o mundo de H. P. Lovecraft. Como ele mesmo explica na introdução, a tarefa era árdua. Afinal, o mundo do detetive inglês é estritamente racional, enquanto que a imaginação de Lovecraft permeava o obscuro universo sobrenatural. Mas para a nossa surpresa, Gaiman faz um trabalho brilhante. A forma como ele desenvolve a trama, nos deixando dicas ao longo da história sobre sua resolução é incrível. Ao final do conto, quando efetivamente nos damos conta do que lemos, é impossível negar a genialidade do escritor.
(OBS: Como fã ardorosa das histórias de Sherlock Holmes, a conclusão me pareceu óbvia, mas talvez para quem não conheça bem seus livros, a conclusão pode parecer confusa)
Coisas Frágeis ainda traz o doce e melancólico A Vez de Outubro, a história de um menino infeliz que depara com um espírito (e que serviu de prévia para o romance O Livro do Cemitério); Lembranças e Tesouros, narrativa que nos apresenta aos terríveis e desagradáveis Sr. Smith e Sr. Alice; O Problema de Susan, a solução um tanto quanto "problemática e irritante" que Gaiman encontrou para dar uma continuação à história da garota Susan, de As Crônicas de Nárnia; O Pássaro-do-Sol, um conto meio bizarro e divertido escrito para a filha; e O Monarca do Vale, história que se passa na Escócia, com tudo que as paisagens e lendas escocesas podem oferecer e trazendo como protagonista Shadow, personagem já conhecido de outro romance de Gaiman, Deuses Americanos.
Imperdível para quem é fã de Neil Gaiman e quem gosta de boa literatura de fantasia.
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